PARTILHAR SABERES

É um prazer imenso finalmente iniciar o desenvolvimento de textos sobre meu caminhar na senda da Deusa e do autoconhecimento. Sinto como uma parcela do meu eu, chegando ao mundo com mais maturidade e propriedade para extrair além dos estudos e das experiências, pensamentos próprios sobre o resgate de saberes matrilineares e a busca pela mulher essencial.
Meus primeiros passos foram regados a termos e conceitos pouco embasados, místicos e superficiais, como infelizmente, percebo o movimento do “sagrado feminino” se posicionar muitas vezes. Neste caminho, é necessário um comprometimento visceral e disponibilidade para extrair com maior coerência os ensinamentos que surgem. Infelizmente, muitas mulheres se contentam com aspectos vagos, e acabam gerando uma manutenção de práticas colonialistas e apropriações culturais, que enfraquecem e tiram a credibilidade de todo um conjunto de conhecimentos e trabalhos bem fundamentados.
Embasar seus conceitos e práticas em teorias, figuras de autoridade popular, estudos sérios e desenvolver sua própria maneira de interagir com o que chega a você, é o primeiro passo para honrar as mulheres que sustentaram a imagem da Deusa, bem como as práticas ancestrais desenvolvidas sob as mais adversas condições, e também para manter o ritmo natural da vida, que é a evolução.
Justamente por esse motivo, hoje não utilizo mais o termo “SAGRADO FEMININO” para me referir ao montante de coletas que organizo em meu servir como Sacerdotisa. Por mais que reconheça em minha busca uma associação ao resgate do que é sacro, e também do papel das mulheres nos mais variados cargos, cultos e rituais, não me sinto mais confortável em dedicar minha pesquisa, minha energia e minha vida à um termo que tomou ares de leviandade. Acredito que revitalizar, recuperar e dar novo significado a símbolos e arquétipos relacionados à Grande mãe seja uma forma muito eficiente de demonstrar às mulheres suas diversas faces, capacidades e posicionamentos sociais e culturais.
Neste contexto, faço uma adaptação do termo para “BUSCA DA MULHER ESSENCIAL”. Acredito, inclusive, que este seja mais abrangente e flexível, perpassando por mais áreas e sendo mais condizente com a grande alquimia mística da natureza que é: a vida se alimenta da vida, logo ela se transforma e evolui sem restrições conservadoras, quando o assunto é sustentar o bem mais precioso que é a essência que alimenta todo nosso plano.
A mulher essencial é tão múltipla quanto a Grande Mãe, ela se desenvolve de acordo com a dança da vida, com os ciclos, com a realidade e a história de cada representante dela encarnada. Sendo assim, existem centenas de mulheres essenciais para cada mulher, basta que ela esteja afim com as possibilidades de autodescoberta e equilíbrio que se apresentam.
Aqui chegamos a uma pergunta interessante: como rastrear e encontrar os movimentos de transformação que surgem do íntimo, e também da interação com o externo? Gosto de pensar que cheguei a uma conclusão com minha atual consciência (mesmo sabendo que diante da minha própria fala, isto se torna um paradoxo), que se baseia na maneira individual de me comunicar com esses conceitos e criar caminhos mais simples para acessar novos patamares na lapidação do “Eu”.

Esta conclusão é a de que o primeiro passo para todo processo seja a mulher relembrar maneiras de acessar sua perspicácia, ou nas palavras de Clarissa Pinkola Estes: “reaprender a farejar”. Conectar-se profundamente com sinais íntimos, os que demonstram ciclos, formas de pensamento e energia do universo que gera a fêmea humana. Compreender transições interiores que ocorrem emancipadas do racional, confiar na inteligência corporal, geralmente reduzida pela ignorância, que fundamenta padrões a seres mutáveis, me parece um caminho coerente, já que a mulher essencial se alinha com a natureza.
A observação da dinâmica natural nos permite viver em alinhamento a fluxos compatíveis com nossa biologia e psique, e, por que não, também da manifestação sutil e espiritual. Meus argumentos parecem simplistas por terem um viés óbvio. Porém, sinto a necessidade de fundamentar e te relembrar sobre assuntos básicos, já que no modelo social vigente à obviedade do assunto, não o torna presente no cotidiano e seus desdobramentos.
Em outras palavras: informação sem ação não cria a realidade. Neste sentido, acredito que iniciar com pequenos passos e procurar um ponto coerente para entrar no fluxo seja uma consequência da utilização da inteligência evolutiva humana. Antes de iniciar, permita-se observar, pesquisar, raciocinar, encaixar informações em sua própria história. Fareje e haja com direcionamento racional bem fundamentado. Talvez assim, a possibilidade de mudanças mais enraizadas seja real. Compreender que a transformação reduz drasticamente oscilações repetidas, uma vez a mudança iniciada, desacredito em retrocessos. Porém, retornar incessantemente à um ponto, pode ser também uma forma de estagnação e repetição de padrões.
Existem algumas maneiras simples de gerar a possibilidade de mergulhar diariamente em seu interior. A principal delas, ao meu ver, é a auto-observação: ao acordar perceber seus estados de humor e físicos, compreender como sente-se ao ingerir determinado alimento, ou estar em jejum, realizar pequenas alterações na alimentação e na rotina, sempre atenta às mudanças subsequentes. Sinto que exercitar a observação e a atenção sobre si, é uma maneira leve e muito gostosa de iniciar o processo de autoconhecimento através de uma visão que integra corpo, mente e espírito como igualmente importantes e sagrados. Espero que seus olhos e inteligências internas sejam acionados por estas palavras. Agradeço a generosidade de quem chega até aqui e cede seu tempo às inspirações que essa trilha traz à mim.

INÍCIO DA JORNADA

Naturalizar é um dos processos que mais me atraem na caminhada do despertar, acredito que seja a melhor opção para conectar a humanidade com o que talvez seja fundamental para se viver bem. Podemos compreender a interação harmônica com nossos semelhantes e o meio que vivemos, como foco para iniciar uma reviravolta nos caminhos insustentáveis que seguimos após o advento do patriarcapitalismo, seguimos há tanto tempo como “dominantes”, nos colocando em uma posição de superioridade, cada vez mais afastando o senso de pertencimento e fortalecendo a ideia de posse, que muitas vezes não compreendemos a conexão entre essas ilusões e a geração de escassez, doenças e a iminente devastação de todo o planeta. Visto que já somos responsáveis pela extinção de um número terrível de espécies e ecossistemas, não cabe falar do fim da raça humana como se fosse um evento maior, retomar formas mais coerentes de conviver com o plano que estamos, trará equilíbrio à balança que está pendente para um lado bem pessimista. Produzimos e consumimos muito mais do que necessitamos, nos isentamos da responsabilidade sobre o que descartamos e infelizmente, desequilibramos mecanismos lógicos para manutenção, perpetuação, recuperação, saúde do planeta e toda vida que o habita.
Resgatar o natural é algo simples, mas que demanda alterações nas formas de pensar e interagir com o meio, isso significa adaptação ao novo, nesse caso sabemos que, em geral, mudar nos impulsiona sair de zonas confortáveis e conhecidas, nos lança em terrenos passíveis ao erro e frustrações, a cada momento os desafios podem exigir mais energia do que estamos disponíveis a depositar. Por isso, defendo que embasar o raciocínio e ter clareza sobre o ponto de partida e o norte de sua jornada, trará segurança a cada passo da transformação, não adianta muito espelhar-se superficialmente no estilo de vida de alguém sem compreender a realidade e o que motiva cada ação individual, para mudar e conectar com os ciclos, criando hábitos naturais, é preciso descobrir e aprofundar em verdade e motivos PRÓPRIOS para isso, podendo sim, ter outras pessoas como fonte de inspiração e apoio, mas nunca utilizando comparativos que tendem a ser parciais, já que não temos percepções realistas da mente e da vida de ninguém. Daí as redes sociais estarem passando por um processo forte de reorganização, os altos níveis de frustração por equiparação do real e virtual, estão levando milhões de pessoas a depressão, perda de poder pessoal ou a construção de rotinas completamente irreais que geram outros transtornos psicológicos, este é apenas um exemplo raso de várias desarmonias e questões que podem surgir com a distorção do que é orgânico, justamente por isso, acredito que alinhar ao máximo as possibilidades, mente e coração com esse modo cíclico e natural, nos leve por caminhos melhores.

A área que baseou meu processo de transição e autoconhecimento foi a alimentação, observar com criticidade a forma que eu nutria corpo, mente, espírito, diversas relações e meu trabalho, foi fundamental para compreender as raízes dos desequilíbrios e insatisfações, tudo o que era parte do contexto convencional me adoecia ou afastava da natureza em algum nível. Ao alterar minimamente minha rotina alimentar, percebi surgirem consciências muito contrárias ao que fui ensinada e influenciada desde que nasci, incluindo como compreendia os alimentos e sua disponibilidade, muitas vezes vivemos em um contexto tão condicionado que entendemos os absurdos oferecidos como aceitáveis.
Chega um momento em que não cabe mais a passividade de apoiar nossos hábitos na infância, os tempos mudam assim como o que é conhecido, faz parte do desenvolvimento da maturidade, buscar maneiras próprias de nutrir-se, pela evolução e por razões históricas básicas. Além da problemática do acesso à alimentação saudável e natural, temos também a manipulação de informações, nossos familiares foram influenciados por uma crescente da indústria alimentícia, que fazia (e ainda faz) promessas e ofertas alimentares pautadas em um marketing agressivo e proveniente da lógica capitalista. Baixo custo, alto lucro são as regras principais, podemos compreender que a ética se faz presente raras vezes nesse contexto, assim, percebemos a importância em pautas como: soberania alimentar, reforma agrária, maior supervisão estatal e popular sobre as empresas da indústria alimentícia e uma reformulação geral na maneira que nós enquanto consumidores interagimos com essas frentes.
Saindo de um prisma macro e encaminhando nossa conversa para algo mais palpável, observamos claramente que o modo de lidar com o consumo e poder de compra é uma das formas de alterar o cenário triste que nos encontramos, inicialmente compreendendo as dinâmicas de utilização de nossos investimentos, criando em cada lar um controle, que pode alterar inúmeras consciências individuais, e após isso, com uma boa difusão, toda a comunidade. Por ser meu primeiro passo em direção a uma transformação pessoal e profunda (e também quem sabe, por ser canceriana?), tenho a crença intrínseca de que a alimentação é a base que nos conecta à terra, compreender a relação entre o que ela nos provê e como nosso corpo reage a isso, visualizando sua ação direta em escolhas alinhadas com o desenvolvimento de hábitos saudáveis, pode ser uma abertura para um novo universo!
Respire profundamente, analise seu contexto, altere o que está ao seu alcance e faz sentido para sua forma de compreender o todo, são muitos os campos que precisamos observar, tatear e gerar mudanças que nos afinam a uma retomada naturista, sendo assim como me proponho na construção deste espaço de partilha, podemos criar os movimentos com leveza, apoio mútuo e generosidade, sem perder o passo, intenções e ações de vista! Vamos gradualmente e com firmeza!

Gratidão por chegar aqui.

Do meu útero-coração para você!

Namastê

Letícia Souto Naturoterapeuta.